4/16/2007

O "inginheiro"

Na entrevista de José Sócrates à RTP, na noite de quarta--feira, metade do tempo foi consumido com a discussão do importantíssimo problema da licenciatura do primeiro-ministro e a outra metade com todas as outras insignificantes questões relacionadas com a situação do país.
A licenciatura de Sócrates foi esmiuçada ao pormenor, objecto de mil perguntas – desde as datas do lançamento das notas nas pautas aos nomes dos professores desta e daquela cadeira –, enquanto sobre os impostos se passou como gato por brasas, sobre a reforma da Administração Pública pouco tempo houve para falar, sobre a reforma da Saúde idem, sobre a União Europeia quase não se falou, sobre a Ota não deu para aprofundar nada e o TGV nem foi referido.

Significa isto uma crítica aos jornalistas que entrevistaram o chefe do Governo?
Não – significa uma crítica ao estado da opinião pública.
Se os entrevistadores não tivessem feito todas aquelas perguntas, se não tivessem colocado todas as questões que encheram as páginas dos jornais nas últimas semanas, se não tivessem gasto metade do tempo com aquele assunto, seriam acusados de subserviência, de complacência, de cumplicidade com o poder.
Os jornalistas fizeram, portanto, o que as circunstâncias exigiam deles.
E, no entanto, objectivamente, prestaram um mau serviço ao país e à informação.

Porque gastaram metade do tempo de uma entrevista com o primeiro-ministro a tratar de uma questão que não interessa nada.
Que não tem a menor importância.
Que não conduz a parte nenhuma.
Que não tem dignidade.
Que só deseduca – porque contribui para alimentar a intriga, a pequenez de ideias, a mesquinhez de espírito, os impulsos negativos.

Será que ainda não conseguimos perceber que o país está numa encruzilhada, que corre contra o tempo, que precisa de levar por diante reformas profundas – e que elas só podem ser postas em prática se houver estabilidade e um Governo forte?
Ainda não percebemos que não é o momento de brincar aos governos – e que fazê-lo significa brincar com o fogo?

Quanto à oposição, em lugar de exultar com este tipo de episódios (ou tentar até tirar partido deles), deveria, pelo contrário, estar calada.
Marques Mendes teria tudo a ganhar se não tivesse falado.
Se tivesse dito: «Não me envolvo neste assunto, porque não confundo a luta política com questões pessoais».
Marcaria pontos e acumularia capital político.
Até porque hoje a vítima é Sócrates – mas amanhã é outro qualquer.
Casos como este atingem a política e os políticos no seu conjunto.
Veja-se o que se passou com Cavaco – a quem os sucessivos ‘escândalos’ acabaram por minar a eficácia.
É isso o que queremos agora?
Queremos o regresso da instabilidade política?
Queremos um poder fraco, coxo e sem autoridade?
Queremos viver num país ou num circo?

Um general romano que combateu na Lusitânia enviou para Roma uma informação que se tornaria célebre: «Este povo não se governa nem se deixa governar».
Não nos governamos nem nos deixamos governar.
Sempre que temos uma situação de alguma estabilidade sentimos a atracção do abismo.
Por essas e por outras é que de vez em quando, numa esquina da História, aparece um Salazar – que nos obriga a deixarmo-nos governar... à força.

4 Comments:

At 4/19/2007 9:12 da manhã, Blogger Vitor Sá said...

Por acaso tenho alguma curiosidade em ouvir a opinião dos socialistas de Vnp sobre este assunto

 
At 4/19/2007 9:59 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Fazendo a vontade!

Concordo com a mensagem do post!
Acho que há coisas mais importantes, que a legitimidade lhe advem dos votos, que tem áreas em que podem e devem (?!) ser feitas críticas e, sobretudo, que PORTUGAL PRECISA QUE O GOVERNO CONTINUE A GOVERNAR!
Manuel João Dias

 
At 4/19/2007 4:38 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não concordo com parte do conteúdo do post! Apesar de como disse o Presidente da República há coisas mais importantes que o percurso académico do Primeiro Ministro..
No entanto, acho que os portugueses devem saber se houve ou não favorecimento ao Sr. José Socrates pela UnI... Mas pelos acontecimentos dos últimos dias tudo faz crer que isto não passa de mais uma novela que vai chegar ao fim sem que os espectadores saibam o que realmente se passou... Talvez por pressão dos nossos reputados políticos que são a nata desta sociedade portuguesa... (Desculpem o sarcasmo mas já não há paciência para tanta trapalhada!) É irrelevante se o Sr. Socrates Eng ou licenciado... Não é isso que lhe atribui mais ou menos competência! O que é relevante é se houve ou não favorecimento... Há muita coisa coisa no processo de Sócrates pouco clara.. Assim como ter duas fichas na Assembleia da República.. É normal?! Entre outras! Clarifiquem.. Os telefonemas à comunicação social não ajudam..

Relativamente à entrevista também acho que realmente se gastou demasiado tempo com a questão do percurso académico e pouco com as politicas do Governo! Até porque depois da entrevista todas as dúvidas subsistiram...
No que diz respeito à actuação do governo o Primeiro Ministro foi pouco claro! Principalmente relativamente à OTA! Será que há favorecimento de alguns iluminados como circula em alguns blogues...

Cada vez mais estou desiludido com a classe política portuguesa.... Parece-me que todos são "amigos" uns dos outros! Falo de favorecimentos... Não sei se este é o caso mas que existe, existe. A título de exemplo o caso do ministro que "abriu" uma vaga para a filha de um seu colega para esta poder entrar em Medicina... Com certeza se pensarem um pouco encontram mais... Que credibilidade têm?! Parece-me que andam todos atrás do tacho e de "enriquecimento" pessoal em vez de se preocuparem com a nação! Se querem ter credibilidade façam por ela! Posso estar a tomar uma pequena parte pelo todo, mas saber e nada fazer também é condenável...
Desculpem o desabafo...

Espero que a isenção e competência se sobreponham aos interesses pessoais!

Homem da nave

 
At 4/20/2007 9:26 da manhã, Blogger Vitor Sá said...

Bom dia a todos:
Caro "Homem da Nave", apesar de não sermos da mesma cor política concordo na integra com tudo o que escreveu. Para mim é indiferente se temos, um primeiro ministro Engenheiro ou um pastor (que me desculpem os pastores. Esta é uma profissão tão digna como outra qualquer), o que me interessa são os resultados do país. Mas para mim o que é demais evidente é que ouve claramente favorecimento e existe muita coisa mal contada. Os factos são por demais evidentes. O Sr primeiro ministro o que tinha a fazer era assumir e não dar desculpas esfarrapadas. E mais. Já o disse e volto a dizer: existe montado à volta deste governo uma espécie de força de primeira intervenção que minar tudo o que aparece pela frente das ideias do governo. Passo a explicar:
- Segunda feira - Ministro Mariano Gago anúncia fecho da UNI.
- Terça feira - É anunciada pela UNI uma conferência de imprensa BOMBÁSTICA para quarta feira
- Quarta feira - É adiada a conferência de imprensa.
- Quinta feira - É feita a dita conferência de imprensa sem nada de BOMBÁSTICO, com "alguém" a não se contentar em ficar com cópias dos documentos, querendo isso sim os originais.Aparece de novo o Ministro Mariano Gago a dizer que "Ahh e tal não é líquido que feche a Universidade".

É impressão minha ou o silêncio da UNI foi comprado ? Querem apostar como a UNI não fecha ? Espero que o futuro não me dê razão...

 

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